A Reforma Tributária, oficialmente implementada em nosso país pela Emenda Constitucional – EC n.º 132/2023, foi celebrada como um passo histórico para a simplificação e modernização do sistema tributário brasileiro.
A criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) prometeu racionalizar tributos e reduzir distorções econômicas.
Contudo, um importante alerta foi lançado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que divulgou em 24 de abril de 2025 o relatório “Impactos da Reforma Tributária no Poder Judiciário”, trazendo um diagnóstico robusto sobre as consequências que essa reforma poderá ter sobre o volume de litígios fiscais.
O STJ foi claro: os novos tributos têm o potencial de triplicar o atual contencioso tributário, que já hoje sobrecarrega o Judiciário.
Em 2024, foram mais de 63 mil casos fiscais só no STJ — e cerca de 19 mil relacionados a tributos que serão substituídos pelo IBS e CBS (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS).
O aumento previsto se explica porque cada fato gerador poderá dar origem a três execuções fiscais distintas — uma pela União, outra pelo Estado de destino, e outra pelo Município de destino — resultando em uma multiplicação inédita de processos.
O relatório não apenas projeta números preocupantes, mas também aponta que, até aqui, a reforma e seus projetos de regulamentação (PLP’s n.º 68/2024 e n.º 108/2024) não trouxeram soluções suficientes para lidar com o impacto judicial.
Segundo o relatório do STJ, a integração do contencioso tributário foi negligenciada, e isso pode esgotar os recursos humanos, financeiros e estruturais do Judiciário.
A Corte vê como necessária a concentração da competência na Justiça Federal, para evitar um sistema híbrido misto entre juízes estaduais e federais, que traria, segundo os ministros, desafios administrativos intransponíveis.
Embora essa solução se aproveite das estruturas já existentes, o STJ alerta que isso só será viável se houver financiamento adequado, já que a Justiça Federal é limitada pelas regras do regime fiscal sustentável (Lei Complementar n.º 200/2023).
Uma das sugestões apresentadas no relatório é a criação de um Fundo de Custas da Justiça Federal para dar conta da nova demanda.
Além disso, a Corte propõe a exigência de requerimento administrativo prévio antes que discussões sobre os novos tributos possam chegar ao Judiciário — uma forma de valorizar a esfera administrativa e evitar judicializações precipitadas.
No entanto, essa alternativa gera preocupações constitucionais, pois pode tensionar o direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).
Outro ponto levantado é a necessidade de se estabelecer alçadas para a propositura de execuções fiscais, de modo a permitir que apenas um ente federativo represente os demais no processo judicial, evitando múltiplas ações sobre o mesmo fato.
Essa medida, porém, exige um marco legal claro e ainda não está prevista nos projetos em tramitação.
O relatório também chama atenção para o fato de que a tributação no destino — princípio adotado pela reforma — aumenta a interação de cada contribuinte com as administrações tributárias estaduais e municipais, potencializando o número de litígios.
Especial atenção foi dada ao setor de serviços, hoje responsável pela maior parte das execuções fiscais, e que deveria ser o foco das reformas processuais para racionalização da cobrança.
Outro alerta do STJ recai sobre as propostas de criação da Ação Declaratória de Legalidade (ADL) e da Ação Declaratória de Ilegalidade (ADIL) diretamente no âmbito do STJ, que poderiam dar celeridade e evitar desequilíbrios competitivos, mas também gerariam riscos: eliminariam o debate nas instâncias inferiores, suprimiriam o direito ao recurso e poderiam sobrecarregar ainda mais o próprio STJ.
Caso essas ações sejam adotadas, o Tribunal defende a adoção de salvaguardas rigorosas, como a limitação do número de legitimados, a restrição de objetos e parâmetros, e a discricionariedade do próprio STJ para avaliar a urgência e a relevância do pedido.
Por parte do setor privado, há percepção de que, apesar do alerta do STJ, a experiência internacional com sistemas de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) não indica necessariamente um aumento exponencial no número de processos.
Ainda assim, especialistas reconhecem que a ausência de um modelo de integração clara para o contencioso — seja no lançamento dos tributos, seja na representação judicial — pode gerar insegurança, multiplicação de litígios e custos administrativos elevados.
A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), por exemplo, defende a criação de mecanismos de articulação e cooperação tanto na esfera administrativa quanto judicial, para que a efetividade da simplificação prometida pela reforma dependa não apenas da nova legislação, mas também da integração prática das administrações tributárias e do Judiciário.
Há quem acredite que a criação de estruturas conjuntas, incorporando magistrados federais e estaduais para julgamento exclusivo desses tributos, poderia ser uma alternativa eficiente, tratando-se apenas de uma realocação de recursos, sem necessariamente gerar novos gastos.
Por fim, o relatório destaca que a criação de colegiados virtuais formados por juízes federais e estaduais não encontra respaldo nas normas atuais de cooperação judiciária nacional, e que, longe de simplificar, tornaria o sistema ainda mais complexo e intrincado, sem benefícios relevantes.
Em suma, o alerta do STJ deve ser levado a sério não apenas pelos operadores do Direito, mas por todo o setor econômico, já que a promessa de simplificação da tributação não pode prescindir de uma estrutura processual capaz de suportar os desafios que virão.
A reforma tributária pode, de fato, ser um marco positivo para o país, mas para que ela alcance seus objetivos, será preciso olhar com atenção para os impactos no contencioso, sob pena de transformar a tão sonhada modernização em um colapso operacional para o Judiciário.