O debate sobre a redução da jornada de trabalho no Brasil, que circulava há meses nas redes sociais, ganhou contornos institucionais e políticos: uma proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada no Congresso visa reduzir a jornada semanal de 44 para 36 horas, acabar com o modelo de seis dias de trabalho por um de descanso e garantir que a mudança não implique em cortes salariais.
O tema, que chegou às mãos dos parlamentares em meio às comemorações do Dia do Trabalhador, ganhou apoio de centrais sindicais e movimentos sociais, mas enfrenta resistência do setor produtivo. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e outras entidades empresariais alertam para possíveis impactos severos na economia. Segundo estimativas da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), uma redução abrupta da jornada poderia gerar retração de até 16% no PIB, colocar em risco 18 milhões de empregos e provocar perdas de R$ 480 bilhões na massa salarial.
De um lado, defensores da proposta argumentam que o modelo atual, com 44 horas semanais distribuídas majoritariamente na escala seis por um, está defasado. Eles apontam problemas como índices de burnout, afastamentos por questões de saúde mental e dificuldades de conciliar vida profissional e pessoal. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, chegou a classificar a jornada atual como “cruel”, especialmente para as mulheres, que acumulam responsabilidades dentro e fora de casa.
Do outro, representantes da indústria, comércio e serviços afirmam que a mudança, se aprovada nos moldes atuais, traria custos operacionais insustentáveis, além de comprometer a competitividade do país. A preocupação se estende, inclusive, à Zona Franca de Manaus, responsável por 79% do PIB do Amazonas, onde uma eventual restrição nas jornadas pode acelerar processos de desindustrialização.
A PEC ainda está na fase inicial de tramitação, aguardando análise de admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Se avançar, passará por uma Comissão Especial e, depois, precisará de aprovação em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado.
O governo, embora se mostre simpático ao debate, adota cautela. O Ministério do Trabalho avalia que uma redução direta para 36 horas pode ser inviável no curto prazo. A sinalização é de apoio a um modelo intermediário, que reduziria inicialmente a jornada para 40 horas, em linha com experiências recentes no Chile, que adotou uma redução gradual até 2028.
No exterior, países como França, Alemanha, Noruega, Dinamarca e Holanda já operam com jornadas semanais entre 35 e 38 horas. Mas a comparação não é direta. Economias europeias possuem níveis elevados de produtividade, alta densidade tecnológica e modelos robustos de proteção social — características que ainda não fazem parte do cenário brasileiro.
Especialistas apontam que, para viabilizar uma mudança desse porte, o país precisará adotar uma série de medidas compensatórias. Entre elas, desoneração da folha de pagamento, incentivos à automação, linhas de crédito para modernização produtiva e fortalecimento da negociação coletiva, permitindo que setores e empresas adaptem a jornada de forma específica à sua realidade.
A proposta também enfrenta críticas pela ausência de um plano de transição. Até agora, não há diferenciação entre setores nem um cronograma que permita ajustes graduais, como fizeram outros países.
O debate sobre a jornada de trabalho no Brasil reflete um dilema global: como equilibrar qualidade de vida, proteção social e produtividade sem comprometer empregos e a sustentabilidade econômica?! O desafio está posto. E a solução, ao que tudo indica, exigirá mais do que palavras de ordem ou cálculos de planilha — precisará, sobretudo, de diálogo, planejamento.