Artigos

Preço de transferência pelo método PRL e incentivos fiscais

Autoria

Assessoria de Comunicação PCA

Assessoria de Comunicação PCA

O preço de transferência é o valor cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços e direitos a uma empresa a ela vinculada. Como os preços praticados entre empresas relacionadas podem se apresentar distorcidos em comparação a condições de livre mercado, a lei obriga que, em substituição ao preço efetivamente praticado, sejam seguidos critérios que busquem converter esse valor àquele que seria praticado com um terceiro não vinculado, ou seja, com uma empresa independente.

Esses critérios podem ser traduzidos em métodos, cada um com sua particularidade e função. No presente trabalho, será explorado o método denominado Preço de Revenda Menos Lucro (PRL) e o impacto dos incentivos fiscais em sua aplicação. Esse método parte do preço pelo qual um produto adquirido de uma empresa associada é revendido a uma empresa independente[1].

A normativa da matéria determina que o parâmetro a ser utilizado seja o preço líquido de venda, valor que representa o preço de revenda à empresa independente menos, entre outras parcelas, os “impostos, contribuições e outros encargos cobrados pelo poder público, incidentes sobre vendas, integrantes do preço”.

Que os tributos que integram o preço possuem impacto para fins de cálculo pelo método PRL, não há qualquer dúvida. A legislação é bastante clara. Entretanto, o mesmo pode ser dito dos incentivos fiscais? Ou seja, quando a legislação autoriza o não pagamento de um tributo, esse dado pode ser computado para fins de cálculo do preço de transferência?

O assunto é relevante, pois a legislação é silente nesse ponto e há controvérsia entre julgados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF no que diz respeito à influência de benefícios fiscais na composição do preço de transferência. Neste trabalho, essa problemática será analisada, com base nos princípios e na doutrina que regem o preço de transferência.

O resultado da análise leva à conclusão de que a legislação que rege o preço de transferência deve ser interpretada em conformidade com o princípio arm’s length, segundo o qual os valores transferidos a empresa vinculada, sediada no exterior, na aquisição de bens, serviços ou direitos devem ser convertidos em valores que representem o mais aproximadamente possível o preço praticado com terceiros independentes, considerando inclusive as condições de mercado e particularidades subjetivas do importador. Dessa forma, se o incentivo fiscal representar uma parcela redutora do preço, o montante deverá ser excluído do preço líquido de vendas para fins de cálculo do transfer price pelo método PRL, desde que este tenha influência na redução efetiva do preço de venda a terceiro independente. Caso contrário, se a utilização do benefício não tenha reflexos na diminuição do preço de comercialização, mas apenas no incremento na margem de lucro da empresa, o incentivo não deve ser considerado.

Considerações gerais sobre o preço de transferência e o princípio Arm’s Length

A técnica do preço de transferência tem por objetivo reduzir as disparidades envolvidas nas operações com empresas vinculadas, de maneira que se possa apurar a renda da empresa sob os mesmos parâmetros (ou suficientemente aproximados) daqueles que seriam observados em relações normais de mercado.

Entende-se que estão sujeitas ao cálculo do preço de transferência tanto as pessoas vinculadas, como aquelas que realizem operações, no País, com pessoa jurídica ou física situada em país com tributação favorecida.

Em todos os casos, a legislação brasileira, inspirada pelas guidelines elaboradas pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), traz a previsão de métodos de cálculo do chamado preço parâmetro, que corresponde à conversão a um valor correspondente às condições de mercado.

Essa conversão de valores se dá com observância ao princípio conhecido como arm’s length, o qual tem sido amplamente reconhecido na prática internacional, principalmente pelos países integrantes da OCDE e por um número crescente de países não-membros. Segundo o princípio, as operações realizadas entre partes vinculadas devem ser desconsideradas como tais e analisadas como se fossem relações entre partes não vinculadas, de forma a melhor representar o valor que seria praticado numa transferência de bens ou serviços em condições normais de competitividade.

Apesar de o Brasil não ser integrante da organização e não ter positivado expressamente tal princípio, o conteúdo do arm’s length é reconhecido por ter sido incorporado ao direito brasileiro por meio da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em seus arts. 18 a 24.

Em que pese não haver unanimidade na aplicação do princípio nos exatos moldes definidospela OCDE, tendo em vista a ausência filiação do País à organização e as divergências do ordenamento brasileiro acerca do assunto com referência a esse parâmetro, não é seguro afastar completamente do alcance do princípio os casos analisados com base na legislação brasileira, uma vez que há explícitas indicações de que o legislador, ao elaborar a referida lei, inspirou-se nas práticas internacionais e referenciou a aplicação do arm’s length o que pode ser extraído da exposição de motivos da Lei nº 9.430/96.

Além dessa constatação, há forte inclinação doutrinária e jurisprudencial no sentido de que o princípio arm’s length decorreria de outros de índole constitucional, tais quais a igualdade e da capacidade contributiva. Nesse sentido, Luís Eduardo Schoueri, professor titular de direito tributário da USP e especialista na doutrina nacional sobre o assunto, registra em sua obra Preço de Transferência no Direito Tributário Brasileiro que o princípio arm’s length não só é albergado pelo direito brasileiro, como seu conteúdo pode ser extraído das demais normas e garantias basilares conferidas pela Constituição Federal de 1988.

Em igual sentido, a jurisprudência administrativa do CARF tem adotado a aplicação do princípio, como critério interpretativo das normas relativas ao preço de transferência. Em raciocínio semelhante, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também traz previsão da aplicabilidade do princípio na interpretação da lei tributária relativa ao transfer price.

Dessa maneira, seja pela utilização desse princípio como norma orientadora da interpretação tributária, com base no consenso internacional, seja pela aplicação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, entende-se que a definição do preço de transferência deve buscar, na medida do possível, a representação dos valores que seriam praticados com pessoas independentes. A contrario sensu, deve ser rejeitada a interpretação que distancie o preço de transferência dos valores do preço de mercado.

A partir disso, pode-se afirmar com segurança que a análise da legislação do preço de transferência, seja na seara de julgamento administrativa ou judiciária, deverá levar em consideração o mencionado princípio, cujo conteúdo se pauta pela busca de preços justos a serem realizados entre empresas vinculadas, como se fossem, de fato, operações com terceiros não vinculados.

Partindo da premissa que o princípio encontra aplicabilidade no direito brasileiro, a doutrina especializada no assunto tem delineado seus contornos, cujas características principais são as seguintes:

Análise transacional: o preço arm’s length deve ser estabelecido a partir de uma transação identificada (ou de um grupo de transações relacionadas) – neste sentido, não se podem considerar conformes ao princípio arm’s length aqueles métodos que deixem de lado as transações, propriamente ditas, partindo para rateios de resultados globais; por outro lado, a ideia de “transação” é mais ampla do que a de “operação”, sendo possível que uma série de operações (por exemplo: peças importadas separadamente para formar um único produto – kit) constitua uma única transação.

Comparação (ou similaridade): a transação identificada (ou o grupo de transações identificado) deve ser comparada com outra transação, similar ou idêntica, hipotética ou real, com características idênticas ou similares – a similaridade ou identidade deve ser suficiente para que se entenda que, afastada a relação entre as partes, na transação controlada, ausente na transação utilizada como parâmetro, inexistam outras diferenças significativas, seja nos produtos propriamente ditos, seja nas condições comerciais.

Contrato de direito privado: o preço arm’s length deve levar em conta quaisquer obrigações legais assumidas pelas partes contratantes e, portanto, os efeitos jurídicos da transação não podem (em princípio) ser desconsiderados. Não cabem, daí, os chamados “ajustes transacionais, i.e., não há espaço para desconsiderar a transação efetivamente ocorrida, substituindo por outra que, a ver do julgador, poderia ter ocorrido”.

Características de mercado aberto: o preço arm’s length deve se basear em condições de mercado, refletindo, assim, práticas comerciais normais. Como corolário, o preço arm’s length somente pode ser estabelecido com base em informações que sejam disponíveis ou acessíveis ao contribuinte no momento em que ocorre a transação. Este é o elemento que implica críticas à prática de diversas administrações tributárias – inclusive a brasileira – de utilizar-se de dados desconhecidos do contribuinte – secret comparables: se o que se espera das partes vinculadas é que elas atuem como partes independentes, então devem elas fixar seus preços segundo as práticas correntes no mercado (tal qual um terceiro independente agiria). Havendo práticas no mercado que não são (ou não poderiam ser) conhecidas, então elas não influenciariam a decisão de terceiros independentes na fixação de seus preços. De igual modo, não se pode exigir que tais práticas influenciem a decisão de preços das partes relacionadas.

Características subjetivas: o preço arm’s length deve levar em conta as circunstâncias particulares que caracterizam a transação. Por esta razão, por exemplo, haverá casos em que não se poderá comparar o preço arm’s length com o preço de mercado, pois o primeiro deve levar em conta, dentre outros fatores, que um fornecedor pode estar tentando aumentar sua participação no mercado e por isso estabelece preços inferiores aos do mercado.

Análise funcional: a determinação do preço arm’s length deve levar em conta as funções desempenhadas pelas empresas associadas. A análise funcional é importante para estabelecer se uma transação entre partes independentes é efetivamente comparável; tal análise é ainda mais importante quando não se encontram transações comparáveis, sendo necessário que o contribuinte ou as autoridades fiscais desenvolvam outros métodos para encontrar um preço arm’s length.

Essas características próprias do princípio, mesmo não sendo impositivas, deverão guiar a interpretação de casos omissos, desde que não conflitantes com a legislação.

Esses pontos serão levados em consideração para as conclusões do presente trabalho, tendo em vista que, como será abordado adiante, a legislação atual não é expressa ou precisa no que diz respeito aos impactos dos incentivos fiscais no cômputo do preço arm’s length pelo método PRL.

Sobre o Método Preço de Revenda Menos Lucro (PRL) e a alocação de benefícios fiscais

Feitas as considerações gerais sobre o preço de transferência e seus princípios, passasse-se agora a analisar a legislação que rege o método PRL com relação à alocação de incentivos fiscais. A Lei nº 9.430/96 elenca três métodos de cálculo do preço de transferência para aquisições de bens, serviços e direitos no exterior. Dentre eles, encontra-se o método do Preço de Revenda Menos Lucro (PRL), descrito no art. 18, inciso II, da referida lei.

O método PRL parte do preço com o qual uma empresa adquire um produto, bem ou serviço de uma empresa vinculada no exterior e o revende a um terceiro independente. Desse valor é excluído uma margem de lucro bruta, que corresponde aos gastos e custos incorridos pelo importador. Depois desse procedimento, sobra um valor que se aproxima daquilo que seria praticado em condições regulares de mercado.

O critério objetivo desse método é, portanto, a transação de revenda realizada com o terceiro independente. Isso é muito importante para a presente análise, pois isso indica que o método visa aproximar o máximo possível o preço praticado com a parte vinculada com aquele realizado com um terceiro independente, em conformidade com o princípio arm’s length.

Em relação à determinação do preço pelo PRL, a lei nº 9.430/96 determina que seja calculado o preço líquido de venda definido a partir da média aritmética ponderada dos preços de venda do bem, direito ou serviço produzido, diminuídos dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições sobre as vendas e das comissões e corretagens pagas. A própria lei não aborda diretamente quais seriam os impostos a ser excluídos do valor de venda bruto, o que é detalhado pela Instrução Normativa RFB nº 1.312, de 28 de dezembro de 2012, em seu art. 12, § 9º.

Assim, da média ponderada das vendas deve ser excluído o valor dos tributos efetivamente cobrados pelo Poder Público e que incidem sobre a venda, de forma a representar a carga tributária efetiva incidente nas operações de revenda e/ou de produtos industrializados. Essa previsão encontra harmonia com o princípio arm’s length na medida que busca equiparar os preços praticados com pessoas vinculadas aos efetivamente praticados no mercado.

Conforme se extrai da redação da Lei nº 9.430/96 e da Instrução Normativa RFB nº 1.312, de 28 de dezembro de 2012, não há menção expressa ao tratamento a ser dado aos incentivos fiscais. Entretanto, isso não leva à conclusão de que estes devam ser desconsiderados no cálculo dos ajustes do transfer price. Pelo contrário, deverão ser computados na medida em que venham efetivamente reduzir a carga tributária total e, consequentemente, o preço praticado a um terceiro independente.

Portanto, entende-se que, se o incentivo afeta o preço praticado pela empresa nas vendas a terceiro não vinculado, reduzindo-o, há de ser considerado para fins de cálculo do preço de transferência. Caso contrário, se a utilização do incentivo não afeta o preço praticado com parte independente, mas tão somente incrementa a margem de lucro da empresa, o resultado será o inverso: deverá ser desconsiderado do transfer price com base no método PRL.

Essa conclusão pode ser extraída resumidamente dos seguintes fundamentos:

A) Nos termos do art. 18, inciso II, alínea b, da Lei nº 9.430/96, o critério para aferir o transfer price é o preço líquido de venda e não, necessariamente, a receita líquida do contribuinte e, portanto, devem ser considerados os fatores que alterem efetivamente o preço praticado com a parte independente, ainda que não haja impacto na receita operacional do contribuinte, critério que não foi escolhido pelo legislador como parâmetro para o cálculo do preço arm’s length;

B) Ainda que seja utilizado o parâmetro da receita líquida, o art. 12 e §1º, do Decreto-Lei n. 1.598/77, conceitua a receita líquida como a receita bruta diminuída dos tributos sobre ela incidentes. E, portanto, se o incentivo reduz a quantidade de tributo devido, com repercussões no preço de venda, entende-se que também não deve compor a receita líquida.

C) A Instrução Normativa RFB nº 1.312, de 28 de dezembro de 2012 dispõe que o preço líquido de venda é obtido a partir da exclusão dos impostos, contribuições e outros encargos cobrados pelo poder público, incidentes sobre vendas, integrantes do preço. Assim, se por meio do incentivo fiscal, parte do saldo devedor do tributo deixa ser cobrado – a exemplo do que ocorre com o crédito estimulo de ICMS- a conclusão lógica é que o comando normativo passa a ser atendido devendo tal quantia ser excluída do preço bruto, na medida em que esse incentivo altere o preço de venda praticado;

D) De acordo com o princípio arm’s length, a neutralidade do preço deve refletir as condições praticadas no mercado e, dessa forma, por exemplo, se a empresa está inserida num contexto de incentivos fiscais especiais à produção, por estar situada em zona beneficiada, ou fazer jus a qualquer outro benefício, o transfer price deve refletir essa realidade, em respeito às características da similaridade e dos aspectos subjetivos do contribuinte.

Essas conclusões, apesar de poderem ser defendidos de acordo com os fundamentos acima, não encontram unanimidade na jurisprudência administrativa do CARF, havendo decisões favoráveis ao contribuinte, bem como posicionamentos que negam a influência de incentivo fiscal no cômputo do preço de transferência.

No acórdão de nº 1103-000.672, julgado pela 1ª Câmara/3ª Turma Ordinária, na sessão de 08 de maio de 2012, os conselheiros do CARF deram parcial provimento ao recurso voluntário para determinar que seja deduzido o montante do ICMS incentivado no cálculo do transfer price pelo método PRL. O voto relator aduziu o seguinte:

(…) Quanto ao mérito, especificamente quanto à redução do ICMS na apuração do preço parâmetro em valor superior ao efetivamente pago e devido, entendo que assiste razão à Recorrente. Com efeito, não é cabível se reduzir do preço de revenda valor de ICMS à alíquota de 12%, quando ele não é efetivamente devido e pago sob tal alíquota. Isso contraria a lógica contida na lei.

A mesma IN SRF 243/02 corretamente interdita o procedimento adotado pela autoridade lançadora, assim: § 7º Para efeito deste artigo, serão considerados como:

I – incondicionais, os descontos concedidos que não dependam de eventos futuros, ou seja, os que forem concedidos no ato de cada revenda e constar da respectiva nota fiscal; II  – impostos, contribuições e outros encargos cobrados pelo Poder Público, incidentes sobre vendas, aqueles integrantes do preço, tais como ICMS, ISS, PIS/Pasep e Cofins; III – comissões e corretagens, os valores pagos e os que constituírem obrigação a pagar, a esse título, relativamente às vendas dos bens, serviços ou direitos objeto de análise.”

Com estas considerações, conheço do recurso voluntário para dar-lhe parcial provimento, alterando o lançamento no aspecto relativo à consideração do montante do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a ser deduzido da operação com observância do benefício fiscal concedido pelo Estado do Amazonas.

Assim, os conselheiros consideraram que o cálculo do preço líquido se dá com a exclusão dos tributos efetivamente cobrados pelo Poder Público, com base na própria instrução da Receita Federal e, portanto, o incentivo de ICMS deveria ser levado em consideração no cômputo do preço de transferência.

Por outro lado, no julgamento do acórdão nº 1402-002.873, pela 4º Câmara/2ª Turma Ordinária, na sessão de 19 de fevereiro de 2018, o conselho negou provimento ao recurso voluntário do contribuinte, em votação não unânime e considerou que os valores referentes ao incentivo fiscal de crédito estímulo de ICMS não representam alteração no preço praticado pelo contribuinte, de forma que não devem ser considerados no cálculo do preço de transferência. O tribunal assim justificou seu posicionamento:

“(…) Com todo o respeito à posição do eminente relator, não se vislumbra na concessão do crédito estímulo do ICMS não representa necessariamente uma diminuição do preço, pois seus efeitos não envolvem uma diminuição da alíquota do ICMS, e sim uma contrapartida financeira, a título de crédito do imposto, que irá integrar seu resultado operacional. Ou seja, não há como comprovar os efeitos dos estímulos no preço praticado, pois alíquota do débito do ICMS é a mesma do mercado. Os efeitos serão sentidos é na lucratividade da recorrente. Ocorre uma restituição do ICMS decorrente do crédito estímulo concedido pelo estado do Amazonas, e sim um aumento do seu resultado não operacional. Em nenhum momento haverá repercussão na apuração dos preços de transferência, cujos critérios são para verificar se os preços pelos quais importou produtos, no caso concreto, de empresas vinculadas divergem do preço de mercado em condições normais e independentes.

Entende-se que o entendimento acima não é o mais harmônico com a legislação e com os fundamentos que regem o preço de transferência, de acordo com os argumentos já apresentados acima: se o crédito estímulo efetivamente influencia o preço final praticado pelo contribuinte com uma parte independente, este fator deve ser levado em consideração, sob pena de violação do princípio do arm’s length e do próprio art. 18, inciso II, da Lei nº 9.430/96. A própria redação da IN RFB nº 1.312, de 28 de dezembro de 2012 faz referência aos tributos e encargos cobrados docontribuinte pelo Poder Público. Além disso, o crédito estímulo é aplicado sobre o saldo devedor, reduzindo o imposto devido, possuindo as mesmas implicações práticas de uma redução de base de cálculo ou de alíquota.

O voto vencido desse acórdão seguiu nessa linha de raciocínio, adotando os mesmos fundamentos do acórdão nº 1103-000.672, para concluir que:

Como é sabido, a regra de preço de transferência é norma antielisiva que objetiva impedir que os contribuintes transfiram lucros de uma jurisdição com maior pressão para uma com menor pressão fiscal ou sem tributação, garantindo-se que se está praticando transações a preço de mercado. Nessa linha de raciocínio, na medida em que a recorrente transfere para o consumidor final, através da diminuição do preço praticado, o benefício econômico derivado de um benefício fiscal, quer me parecer que há impacto direto na receita líquida, devendo ser considerado, pois, para apuração do preço-parâmetro. A solução seria diversa, entretanto, caso o contribuinte utilizasse o benefício para aumentar sua margem de lucro, não repassando a diminuição no custo para o consumidor final. Então, se é verdade o que afirma a Recorrente de que a comercialização de seus produtos não é onerada pelo ICMS, de modo que o benefício fiscal é refletido no preço dos produtos, tornando-os mais baratos, a realidade não pode ser desconsiderada pela fiscalização, aumentando artificialmente o ajuste de preço de transferência.

(…)

Nessa perspectiva, não é cabível se reduzir do preço de revenda valor de ICMS alíquota de 12%, quando ele não é efetivamente devido e pago sob tal alíquota. Isso contraria a lógica contida na lei.

Concorda-se, portanto, que se o incentivo fiscal é capaz de reduzir o preço praticado com parte independente, este deve ser excluído do preço líquido de venda.

Considerações finais

A legislação que rege o preço de transferência deve ser interpretada em conformidade com o princípio arm’s length, segundo o qual os valores transferidos a empresa vinculada, sediada no exterior, na aquisição de bens, serviços ou direitos devem ser convertidos em valores que representem o mais aproximadamente possível o preço praticado com terceiros independentes, considerando inclusive as condições de mercado e particularidades subjetivas do importador;

Conforme dispõe a Lei nº 9.430/96, em seu art. 18, inciso II, o método PRL é obtido tendo por parâmetro objetivo as condições de pagamentos realizadas a terceiros independentes e considera o preço líquido da venda, obtido a partir da média aritmética ponderada dos preços de venda do bem, diminuídos dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições sobre as vendas e das comissões e corretagens pagas;

Complementando esse dispositivo, a Instrução Normativa RFB nº 1.312, de 28 de dezembro de 2012, dispõe que o preço líquido é obtido com a exclusão dos impostos, contribuições e outros encargos cobrados pelo Poder Público, incidentes sobre vendas, integrantes do preço; Nesse sentido, os incentivos fiscais devem ser considerados para fins de determinação do preço líquido de vendas para o cálculo do transfer price pelo método PRL, desde que este tenha influência na redução efetiva do preço de venda a terceiro independente. Caso contrário, se a utilização do benefício não tenha reflexos na diminuição do preço de comercialização, mas apenas no incremento na margem de lucro da empresa, o crédito estímulo não deve ser considerado;